sábado, 2 de julho de 2011

3 POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI PARA O HOMEM

Com o propósito de atender as necessidades de quem venha a requerer proteção do Poder Judiciário, decidiu um Juiz do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, Mato Grosso, a favor da aplicação por analogia das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em favor de um homem:

Visando a lei uma maior proteção a mulher com suas medidas protetivas, o Juiz Mário Roberto Kono de Oliveira teve um entendimento inovador no sentido de que fosse aplicada a lei, por analogia, para proteger os homens. O pedido das medidas protetivas de urgência formulado pela vítima requeria a aplicação da Lei 11.340/2006, por analogia, já que inexiste lei similar a ser aplicada quando o homem é vítima de violência doméstica. [1]

Trata-se o caso em comento de Decisão Interlocutória, ao qual Celso Bordegatto requereu pelo deferimento do pedido de aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha a seu favor, por analogia, já que inexiste lei similar a ser aplicada quando o homem é vítima de violência doméstica, decorrente do crime de ameaça movido contra Márcia Cristina Ferreira Dias, em que o requerente figura como vítima e a requerida como autora do fato [2].

O pedido tem por fundamento fático, as várias agressões físicas, psicológicas e financeiras perpetradas pela autora e sofridas pela vítima e, ao qual instrui o pedido com vários documentos, dentre eles o registro da ocorrência, pedido de exame de corpo de delito, nota fiscal de conserto do veículo avariado pela vítima e inúmeros e-mails difamatórios e intimidatórios enviados pela autora dos fatos à vítima [3].

Aduziu o Magistrado Mário Roberto Kono de Oliveira [4] em sua Decisão que:

A inovadora Lei 11.340 veio por uma necessidade premente e incontestável que consiste em trazer uma segurança à mulher vítima de violência doméstica e familiar, já que por séculos era subjugada pelo homem que, devido a sua maior compleição física e cultura machista, compelia a “fêmea” a seus caprichos, à sua vilania e tirania.

Ressalta ainda [5]:

[...] houve por bem a Lei, atendendo a súplica mundial, consignada em tratados internacionais e firmados pelo Brasil, trazer um pouco de igualdade e proteção à mulher, sob o manto da Justiça [...] mostrou o seu valor e sua eficácia, trouxeram inovações que visam assegurar a proteção da mulher, criando normas impeditivas aos agressores de manterem a vítima sob seu julgo enquanto a morosa justiça não prolatasse a decisão final, confirmada pelo seu transito em julgado. Entre elas a proteção à vida, a incolumidade física, ao patrimônio, etc. [...].

Alega também [6]:

[...] embora em número consideravelmente menor, existem casos em que o homem é quem vem a ser vítima da mulher tomada por sentimentos de posse e de fúria que levam a todos os tipos de violência, diga-se: física, psicológica, moral e financeira. No entanto, como bem destacado pelo douto causídico, para estes casos não existe previsão legal de prevenção à violência, pelo que requer a aplicação da lei em comento por analogia. [...].

E indaga se tal aplicação seria possível, chegando a uma resposta positiva, complementado que “É certo que não podemos aplicar a lei penal por analogia quando se trata de norma incriminadora, porquanto fere o princípio da reserva legal, firmemente encabeçando os artigos de nosso Código Penal" [...] e “se não podemos aplicar a analogia in malam partem, não quer dizer que não podemos aplicá-la in bonam partem, ou seja, em favor do réu quando não se trata de norma incriminadora, como prega a boa doutrina” [7]

Assim, continua e se fundamenta, no sentido que [8]:

Entre nós, são favoráveis ao emprego da analogia in bonam partem: José Frederico Marques, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e Narcélio de Queiróz” (DAMÁSIO DE JESUS – Direito Penal - Parte Geral – 10ª Ed. pag. 48) Ora, se podemos aplicar a analogia para favorecer o réu, é óbvio que tal aplicação é perfeitamente válida quando o favorecido é a própria vítima de um crime. Por algumas vezes me deparei com casos em que o homem era vítima do descontrole emocional de uma mulher que não media esforços em praticar todo o tipo de agressão possível contra o homem. Já fui obrigado a decretar a custódia preventiva de mulheres “à beira de um ataque de nervos”, que chegaram a tentar contra a vida de seu ex-consorte, por pura e simplesmente não concordar com o fim de um relacionamento amoroso.

Não é vergonha nenhuma o homem se socorrer ao Pode Judiciário para fazer cessar as agressões da qual vem sendo vítima. Também não é ato de covardia. È sim, ato de sensatez, já que não procura o homem/vítima se utilizar de atos também violentos como demonstração de força ou de vingança. E compete à Justiça fazer o seu papel de envidar todos os esforços em busca de uma solução de conflitos, em busca de uma paz social.

Assim, argüiu o Magistrado que no presente caso, há elementos probatórios suficientes para demonstrar a necessidade de se deferir as medidas protetivas de urgência requeridas em favor do ofendido [9].

Dessa forma, decidiu o Magistrado favorável ao pedido requerido, determinando à autora do fato o seguinte:

[...] que se abstenha de se aproximar da vítima, a uma distância inferior a 500 metros, incluindo sua moradia e local de trabalho; que se abstenha de manter qualquer contato com a vítima, seja por telefonema, e-mail, ou qualquer outro meio direto ou indireto [10].

Ao final determinou a expedição do mandado e que seja consignado nesse a advertência de que o descumprimento dessa Decisão poderá importar em crime de desobediência e até em prisão [11].

GOMES [12] questiona se as medidas protetivas dessa Lei poderiam ser aplicadas analogicamente em favor de outras pessoas e chega a uma conclusão positiva, desde que se constate alguma analogia fática. Como por exemplo, a violência doméstica contra o homem. Nesse caso, constatada que a violência está sendo utilizada pela mulher como uma forma de imposição, não há dúvida que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha podem ser aplicadas para favorecer o homem, impondo-se a analogia in bonam partem.

Segundo o autor, as medidas protetivas da Lei Maria da Penha podem ser aplicadas em favor de qualquer pessoa desde que comprove que a violência teve ocorrência dentro de um contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo. Não importando se a vítima é transexual, homem, avô ou avó etc. [13]

As medidas protetivas da Lei foram criadas para favorecer a mulher (dentro de uma situação de subordinação, de submetimento). Assim, todas as vezes que essas circunstâncias de violência no âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, de submissão, violência para impor um ato de vontade e etc. acontecerem, nada impede que o Judiciário, fazendo bom uso da Lei Maria da Penha e do seu poder geral de cautela, venha atender quem está ameaçado ou foi lesado em seus direitos, pois, “onde existem as mesmas circunstâncias fáticas deve incidir o mesmo direito”. [14]

No dia 09 de junho de 2009, o Desembargador Sebastião Barbosa Farias denegou o Habeas Corpus 6313/2008, em que a paciente requer que seja afastada a possibilidade de aplicação das medidas protetivas da Lei em favor do seu ex-companheiro [15], como demonstra:

HABEAS CORPUS. MEDIDAS PROTETIVAS, COM BASE NA LEI Nº. 11.340/2006, A CHAMADA LEI MARIA DA PENHA, EM FAVOR DO COMPANHEIRO DA PACIENTE. POSSIBILIDADE. PRINCIPIODA ANALOGIA IN BONAM PARTEM. AFASTAMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS E TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PEDIDOS DENEGADOS, SEJA PORQUE OS ATOS DA PACIENTE SÃO REPROVÁVEIS, POIS QUE CONTRÁRIOS AO ORDENAMENTO JURÍDICO, SEJA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM DENEGADA. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. Louve-se a coragem cívica do autor da representação, em procurar resolver a questão que lhe aflige, na justiça; louve-se o nobre advogado que teve o necessário discernimento para buscar na Lei Maria da penha, arrimado no princípio da analogia, a proteção de seu constituinte, mesmo quando todas as evidências indicavam que a referida Lei não poderia ser invocada para proteger o homem, haja vista que esta norma veio e em boa hora, para a proteção da mulher; louve-se, por fim, o diligente e probo magistrado que ousou desafiar a Lei. Com sua atitude, o magistrado apontado como autoridade coatora, não só pôs fim às agruras do ex companheiro da paciente, como, de resto e reflexamente, acabou por aplicar a Lei em favor da mesma. O raciocínio tem sua lógica, levando-se em conta que, em um dado momento, cansado das investidas, o autor da representação poderia revidar e, em assim agindo, poderia colocar em risco a incolumidade física da paciente. Da análise de todo o processado, não vislumbrei possibilidade de atender aos reclamos dos impetrantes, em favor da paciente, seja para afastar as medidas protetivas em favor do seu ex-companheiro, (afinal as atitudes da beneficiária do HC são reprováveis, posto que contra o ordenamento jurídico); seja para determinar o trancamento da ação penal. (lembremos que ao tempo da impetração não havia ação penal instaurada e mesmo que houvesse, não foi demonstrada a justa causa para tal). (TJMT; HC 6313/2008; Segunda Turma Recursal; Rel. Des. Sebastião Barbosa Farias; Julg. 09/06/2009; DJMT 24/06/2009; Pág. 35)

De acordo com as decisões surgidas, a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em favor do homem hoje é um tema discutido em todo o Brasil e interpretado de forma justa e coerente, a partir do momento em que o necessitado de proteção do Estado (nesse caso o homem) requer tais medidas e as autoridades competentes as deferem, cumprindo o dever constitucional de assegurar assistência a família na pessoa de cada um dos membros necessitados que a integram, com os mecanismos possíveis para coibir a violência no âmbito de suas relações.

A concessão de tais medidas em favor do homem caminha de forma gradativa, percorrendo vários Estados do Brasil. A primeira Sentença proferida nesse sentido foi em Cuiabá, Mato Grosso, a qual se comentou acima, no início do texto, e, em decorrência dela, no mesmo Estado, surgiu um posicionamento jurisprudencial em 09 de junho de 2009, conforme também demonstrado acima.

Mais que louvável, fazendo referência às palavras do Desembargador Relator da 1ª jurisprudência decorrente do julgamento dado no dia 09 de junho de 2009 [16], foi a sua própria Decisão, que caminha de forma inovadora quando confirma e justifica até uma proteção futura para as partes, quando coíbe desde logo com as medidas protetivas da Lei, posteriores e possíveis violências e ameaças que possam surgir à vítima.

Logo após, na 3ª Vara Criminal de Governador Valadares, Minas Gerais, em Decisão proferida pelo Juiz Xavier Magalhães Brandão, em 02 de junho de 2009, também decidiu de forma favorável em relação aos pedidos de proteção para um homem vítima de violência de sua ex-companheira [17], da mesma forma que o Ministério Público de Dionísio Cerqueira, em Santa Catarina, por meio do parecer do Promotor de Justiça Fabiano Francisco Medeiros [18], confirmado logo depois pela Decisão do Juiz Rafael Feck Arnt da mesma localidade [19], bem como, logo após, no mesmo mês, foi proferida Decisão no Juizado Especial Criminal pela Juíza Luciana Viveiros Correa dos Santos Seabra, em Praia Grande, Fundão, Espírito Santo [20] e em 17 de junho de 2009, em Crimassul, no Rio Grande do Sul [21].

Vê-se que, com o passar do tempo, a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em favor do homem, que não é o sujeito passivo tutelado pela Lei, torna-se constante, se alastrando por todo o Brasil.

A título de didática, para fácil compreensão, resolveu-se abordar tais posicionamentos favoráveis ao tema em questão seguindo uma ordem cronológica, na qual se tem primeiramente o Acórdão publicado em 06 de novembro de 2007 (já citado anteriormente), em segundo plano a Decisão do Juiz de Mato Grosso em meados de outubro de 2008 (também já citado anteriormente) e a jurisprudência decorrente daquela Decisão em 09 de junho de 2009, em terceiro lugar a Sentença proferida pelo Juízo de Governador Valadares, Minas Gerais, em 02 de junho de 2009, conforme se vê em resumo [22]:

Revelam os autos que o ofendido Welson Paganoto Santos pretende a concessão de medidas protetivas de urgência em razão de possível infração à Lei n° 11.340/06, intitulada como "Violência Doméstica", figurando como ofensora sua ex-companheira Edionei Dias dos Santos, aduzindo, em apertada síntese, que a ofensora vem tumultuando a sua vida nos últimos meses, importunando a tranquilidade do mesmo, sua namorada e de seus familiares, tal como narrado no petitório de fis. 02/07, razão pela qual requereu a concessão das medidas previstas no art. 22, inciso III, alíneas 'a'e 'b', da Lei n° 11.340/06.

[...]

A meu aviso, os relatos do ofendido caracterizam, em tese, a prática de violência doméstica e familiar, nos termos do art. 7°, da Lei n° 11.340/06.

[...]

Os documentos acostados por cópias às fis. 28/58 revelam a existência de pelo menos dois processos envolvendo a prática, em tese, do delito de ameaça perpetrado pela ofensora em desfavor do ofendido (processos n°s 0105.07.216916-9 e 0105.07.213091-4), encontrando-se a ofensora, ainda, sendo investigada pelo cometimento, em tese, da contravenção tipificada no art. 65 da LCP (Perturbação da Tranquilidade), nos autos do IP n° 0105.09.296413-6, consoante revela a certidão cartorária judicial acostada às fls. 23.

O Ministério Público opinou favoravelmente à concessão das medidas protetivas pleiteadas pelo ofendido, por entender que a prova dos autos é cabal no sentido de que a ofensora vem infligindo agressões em desfavor de seu ex- companheiro, ora ofendido (fls. 52/54).

Diante dos fatos comunicados, visando resguardar os direitos do representante e seus familiares, aplico as medidas protetivas de urgência ao ofendido Welson Paganoto Santos, previstas no art. 22, inciso III, alíneas 'a' e 'b', da Lei n° 11.340/06, para o fim de determinar que a ofensora Edionei Dias dos Santos se abstenha de aproximar da vítima, devendo manter distância mínima de 500 (quinhentos) metros da mesma, bem como o proíbo de entrar em contato com o ofendido, seus familiares ou testemunhas por qualquer meio de comunicação.

[...]

Em quarto lugar, seguindo a ordem cronológica, tem-se o Parecer do Ministério Público de Dionísio Cerqueira, Santa Catarina, dado em meados de junho de 2009, em que um homem pediu auxílio do Ministério Público de Santa Catarina (MP/SC) para se proteger das agressões da ex-companheira. O Promotor de Justiça Fabiano Francisco Medeiros entendeu que, por analogia, cabia ajuizar ação requerendo a aplicação de medida protetiva de urgência da Lei Maria da Penha para o homem e para a sua atual companheira, também vítima de agressão. Na ação para a concessão de medida protetiva de urgência, o Promotor de Justiça relata que a ex-mulher, após receber as mesmas medidas protetivas que agora são pleiteadas pelo ex-marido, passou a persegui-lo, bem como a sua nova companheira, ameaçando-os e perturbando-os, partindo, inclusive, para a agressão física, com ajuda de mais três pessoas, na saída de um baile na cidade [23].

Em meados também do mesmo mês, em quinto lugar, com base na manifestação Ministerial favorável ao pedido do ofendido, tem-se a Sentença proferida pelo Juiz Rafael Feck Arnt, da mesma localidade, que determinou a expedição de alvará de afastamento contra a agressora, proibindo que se aproxime do seu ex-marido e da sua nova companheira, bem como proíbe que a agressora entre em contato com eles por qualquer meio [24].

Em sexto lugar, tem-se também a Sentença proferida pela Juíza do Juizado Especial Criminal de Praia Grande, Fundão, Espírito Santo, de forma a contribuir para este trabalho e trazer satisfação por ser um posicionamento inédito no Estado, assim como os outros citados acima, onde foi imposta a uma mulher uma pena de R$ 100,00 (cem reais) cada vez que ela se aproximar a menos de 100 metros do ex-marido ou inserir dados a seu respeito na internet ou qualquer outro meio de comunicação [25].

A Decisão foi proferida em Praia Grande, Fundão/ES e raríssima no País, porque deriva de interpretação extensiva da Lei Maria da Penha. A juíza auxiliar do Juizado Especial Criminal de Praia Grande, Luciana Viveiros Corrêa dos Santos Seabra, aplicou a Lei em benefício de um homem [26].

Argumentou a Juíza que, para não incorrer em ilegalidade, uma vez que expressamente a Lei Maria da Penha prevê como sujeito passivo (vítima) apenas a mulher, ela confrontou a legislação com outros dispositivos do ordenamento jurídico, dizendo que "A decisão foi tomada com base no poder geral de cautela do juiz. Se ao juiz coubesse uma aplicação fria da lei, sem uma análise do caso concreto, bastaria ele lançar o problema para um computador resolve-lo matematicamente", justificou a magistrada. A juíza admitiu ter tomado a sua decisão sob a "inspiração" da Lei Maria da Penha, porque a obrigação imposta à acusada está prevista na legislação especial de proteção às mulheres. Para a magistrada, a solução encontrada objetivou apenas proporcionar justiça [27].

As advogadas Samira Siloti e Gisele Barreto Brito que defendem o ofendido, tanto no Juizado Especial Criminal quanto na Vara da Família, comentam que seu cliente começou a sofrer violência física e moral da sua ex-mulher quando eles se separaram e a agressora perdeu a guarda de suas filhas, bem como deixou de perceber alimentos [28].

As provas das ofensas, ameaças e agressões foram reunidas pelas advogadas e anexadas aos autos, servindo de base à Decisão da Magistrada. O pedido das advogadas recebeu o aval do Promotor de Justiça Fernando Pereira da Silva e foi deferido pela Juíza, inclusive em relação à expedição de ofício à empresa Google, responsável pelo Orkut. No documento encaminhado ao Google pela Magistrada é requisitada a exclusão do perfil da agressora do site de relacionamentos, em razão dela utilizá-lo para ofender e ameaçar o ex-marido [29].

Importante ressaltar que a Decisão da MMª. Juíza “foi tomada com base no poder geral de cautela do Juiz”, ao qual continua aduzindo que “se ao juiz coubesse uma aplicação fria da Lei, sem análise do caso concreto, bastaria ele lançar o problema para um computador resolve-lo matematicamente [30]”.

No mesmo sentido, diz GOMES que o “juiz aplica as medidas protetivas da Lei Maria da Penha fazendo uso do seu poder geral de cautela [31]”.

Entende-se por poder geral de cautela, de acordo com MÁRCIO LOUZADA CARPENA [32]:

[...] Por meio dele, é dado ao magistrado acautelar aos jurisdicionados, por via de emissão de decisão mandamental inespecífica, atípica, para afastar situações periclitantes e perigosas que poderiam por em risco o desenvolvimento ou resultado finalístico do processo no qual se busca a satisfação material. [...] por via do poder geral de cautela autorizado está o juiz a deferir medidas protetivas da jurisdição, sempre que presentes o fumus boni iuris e o periculum damnum irreparabile, a determinado caso fático, cuja previsão específica escapou ao legislador. [...] o poder geral de cautela é “norma em branco”, da qual não se pode abrir mão para bem de assegurar a efetiva frituosidade da prestação jurisdicional que de depara com casos dos mais diversos e amplos, certamente com peculiaridades que, mesmo que o legislador pudesse prever, dificilmente os positivaria em face da particularidade, não ensejando interesse normativo a coletividade.

O poder geral de cautela deriva dos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil, sendo o mais relevante o artigo 798 do mesmo diploma, transcrito abaixo:

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

Aduz ainda CARPENA [33] que:

[...] tal poder autoriza a utilização e concessão de cautelares inominadas (não porque simplesmente não dispõem de nome específico, mas tão-somente por que são atípicas; não tem previsão específica no código), para fim único de se assegurar o objetivo a que o processo cautelar se propõe; resguarda a utilidade de uma possível decisão do processo principal, assegurar a eficácia da prestação jurisdicional [...].

Por fim, em 17 de julho de 2009, tem-se em sétimo lugar a Sentença da Comarca de Crimassul, Rio Grande do Sul, proferida pelo Juiz Alan Peixoto, que deferiu medida protetiva de não-aproximação em favor de um homem. O Magistrado determinou que a ex-companheira do ofendido permaneça a uma distância mínima de 50 metros, ressalvada a possibilidade de acesso a sua residência, que fica localizada junto ao estabelecimento comercial onde o homem trabalha [34].

A Decisão foi motivada, de acordo com a avaliação feita pelo Magistrado, que a mulher "se utilizava da medida protetiva deferida em seu favor para perturbar o suposto agressor." No dia 1 de julho decisão semelhante havia sido deferida determinando que seu ex-companheiro não se aproximasse e nem estabelecesse contato de qualquer forma com ela [35].

A Promotora de Justiça Anamaria Thomaz impetrou um Habeas Corpus em favor de Maria Elisabete Schneider Mallmann, ora agressora, objetivando cassar a medida protetiva concedida, na Justiça de 1º Grau, ao seu ex-marido, Clodover Mallmann, ora ofendido, “uma vez que além de ilegal e inconstitucional, restringe a liberdade de locomoção dela”. Maria Elisabete reside em apartamento localizado acima do estabelecimento comercial do ex-marido. Atualmente, não pode sair de casa, uma vez que, para isso, precisa passar em frente ao fundo comercial do ex-marido [36].

Segundo a Promotora de Justiça Anamaria Thomaz, “o fundamento legal utilizado pelo ex-marido e pelo Magistrado para conceder medidas protetivas baseadas na Lei Maria da Penha se apresenta deficiente por não apresentar no pólo passivo como vítima uma mulher”. Ela completa, afirmando que a finalidade da Lei Maria da Penha é a “proteção das mulheres, que, embora buscam igualdades no campo social, profissional e afetivo, jamais serão iguais aos homens na parte física” [37].

O pedido liminar requerido no Habeas Corpus impetrado pelo Ministério Público em favor da mulher, para reverter à concessão da medida aplicada ao ex-companheiro, foi indeferido em 29 de julho pelo Desembargador Newton Brasil de Leão, da 3ª Câmara Criminal [38].


[1] Por analogia: Lei Maria da Penha é aplicada para proteger homem. Disponível em: Acesso em: 01 de jan. de 2009.
[2] Por analogia: Lei Maria da Penha é aplicada para proteger homem. Op. Cit.
[3] Idem.
[4] Idem.
[5] Por analogia: Lei Maria da Penha é aplicada para proteger homem. Op. Cit.
[6] Idem.
[7] Idem.
[8] Idem.
[9] Por analogia: Lei Maria da Penha é aplicada para proteger homem. Op. Cit.
[10] Idem.
[11] Idem.
[12] GOMES, Luiz Flávio. Op. Cit.
[13] Idem.
[14] Idem.
[15] MATO GROSSO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HABEAS CORPUS 6313/2008. RELATOR: SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS. DATA DA PUBLICAÇÃO: 24/06/2009. DATA DO JULGAMENTO: 09/06/2009. SEGUNDA TURMA RECURSAL. Disponível em: http://www.tj.mt.gov.br/. Acesso em: 24 de jun. de 2009.
[16] MATO GROSSO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HABEAS CORPUS 6313/2008. Op. Cit. nota 62.
[17] MINAS GERAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA. PROCESSO nº. 105.09.301323-0. REQUERENTE: WELSON PAGANOTO SANTOS. REQUERIDO: EDIONEI DIAS DOS SANTOS. JUIZ: XAVIER MAGALHÃES BRANDÃO. DATA DO JULGAMENTO: 02/06/2009. Disponível alguns dados do processo em: http://www.tjmg.jus.br/.
[18] Disponível em: http://www.editoramagister.com.br. Acesso em: 01 de jul. de 2009.
[19] Idem.
[20] Fonte: clipping@tj.es.gov.br. Acesso em: 10 de jun. de 2009.
[21] Disponível em: http://www.migalhas.com.br. Acesso em: 04 de ago. de 2009.
[22] MINAS GERAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA. PROCESSO nº. 105.09.301323-0. Op. Cit.
[23] Disponível em: http://www.editoramagister.com.br. Op. Cit..
[24] Idem.
[25] Fonte: clipping@tj.es.gov.br. Op. Cit.
[26] Idem.
[27] Fonte: clipping@tj.es.gov.br. Op. Cit.
[28] Idem.
[29] Idem.
[30] Idem.
[31] GOMES, Luiz Flávio. Op. Cit.
[32] CARPENA, Márcio Louzada. Do Processo Cautelar Moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 162.
[33] Idem. p. 163/164.
[34] Disponível em: http://www.migalhas.com.br. Op. Cit.
[35] dem.
[36] Idem.
[37] Idem.
[38] Idem.

11 comentários:

  1. Dra. Iara,
    Primeiramente a parabenizo pelo artigo acima elencado. Estava procurando fundamentos para elaborar petição requerendo medidas protetivas onde o sujeito passivo é homem e a relação familiar domestica é de irmâo.Diante disso foi muito esclarecedor seu artigo. Obrigada, Atencisoamente, Alejandra Fortuny, advogada, Florianópolis, SC

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  2. Olá, Alejandra! Muito obrigada. Que bom que encontrou o que queria. Espero que tenha ajudado. Aqui você encontra a citação das primeiras decisões concedidas em favor do homem. Boa sorte. Um beijo.

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  3. O ARTIGO ACIMA FOI FUNDAMENTAL PARA A PEÇA QUE ESTOU MONTANDO EM FAVOR DE UM CLIENTE DO SEXO MASCULINO QUE VIVE SENDO PERSEGUIDO E AGREDIDO PELA EX NAMORADA. A INICIATIVA DE COLOCAR ESTE ARTIGO NA INTERNETE MERECE ELOGIOS. OBRIGADA - GISELE LIMA - ADVOGADA - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - SP

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  4. Parabéns pelo Artigo, ajudou a expandir meu conhecimento já que venho sofrendo com esse tipo de agressão, uma vez que minha ex-companheira vem pertubando minha paz. e vou pedir medidas protetivas em meu favor.

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  5. Estou fazendo uma ação exatamente nestes moldes ,so estou em duvida qual o nome da ação que darei ou se usarei os mesmos termos que uso na lei Maria da Penha .Sou advogado mas não limito mt na área penal. Obrigado.

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    1. Olá, Dr! O Senhor poderá ingressar com uma ação cautelar, no âmbito cível, para requerer tais medidas. No âmbito criminal, depende da fase que se encontra. Estou a disposição.

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  6. DRA IARA BOLDRINI ,estou esperando resposta imail postado no dia dia 22 de junho de2014.Sou estudante de concurso na lfg infelizmente não tive aula com a SRA e gostaria de saber em qual curso preparatório em que ministra aulas atualmente. Meu imail e ; jhenridias@gmail.com , moro em BH MG.

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  7. Olá, José! Não recebi seu e-mail, exceto essa mensagem aqui. Vou lhe enviar um e-mail agora, para solucionar suas dúvidas. Abraços.

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  8. Encontrava-me em um estabelecimento comercial quando após algumas horas adentrou ao estabelecimento minha ex companheira que está protegida com a medida protetiva lei maria da penha e a mesma desrespeitou a distância e o local a qual eu estava, fez gestos obscenos, fez humilhação a minha pessoa e negou-se a retirar-se do estabelecimento a pedido dos proprietários, o que deve fazer se a mesma continuar em minha perseguição? Resposta encaminhar para: lrciola@ig.com.br - Renato

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  9. Prezada Dra.IARA, na mesma linha de entendimento (aplicação da Lei Maria da Penha) de analogia, no caso de uma ex-companheira estar sendo assediada e ameaçada por atual, até em seu recinto de trabalho (há várias testemunhas), pode, também, ser postulada a medida protetiva, conquanto o seu "ex" já está neste sentido impedido, razão pela qual se utiliza da sua atual para a continuidade delitiva? Qual o fundamento e/ou já prolatos judiciais ?

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