sábado, 2 de julho de 2011

4.2 NATUREZA CIVIL DAS MEDIDAS PROTETIVAS

Entende-se por direitos da personalidade as faculdades jurídicas cujo objeto são os múltiplos aspectos da própria pessoa, abarcando suas várias emanações. Albergam, portanto, aspectos físicos, intelectuais e morais da pessoa. Nessa linha de raciocínio, o artigo 7º da Lei estabeleceu a proteção a personalidade da mulher contra a violência física e sexual (integridade corporal e da saúde) e contra a violência psicológica, moral e sexual, tutelando ambas direitos da personalidade moral (crimes contra a honra, danos moral, crimes de natureza sexual). Observa-se que apenas a integridade intelectual não é objeto de proteção desta Lei, que seriam os direitos do autor, inventor ou quaisquer outros que emanariam da inteligência humana, de forma que foram excluídos da referida tutela da personalidade [1].

As principais características do direito da personalidade são a intransmissibilidade, indisponibilidade, irrenunciabilidade e imprescritibilidade. Portanto, da violência doméstica e familiar contra a mulher cabe, no campo da personalidade as tutelas de ação de obrigação de fazer ou não fazer com incidência de multa diária pelo descumprimento do preceito (artigo 461, § 5º e 6º do Código de Processo Civil e artigo 22, § 2º e 3º da Lei 11.340/2006), bem como ação indenizatória por dano moral e ação de indenização material [2].

Outro direito que terá a mulher vítima de violência com a Lei Maria da Penha será a de receber alimentos, impondo ao agressor a obrigação de prestar alimentos, posto que é exclusivamente decorrente de ato ilícito. Isso significa que se a mulher for agredida pelo seu marido, por exemplo, e intentar ação indenizatória contra ele, caso queira perceber alimentos decorrente da relação familiar, terá que pleitear tal direito na vara de família, uma vez que os alimentos aqui tratados são exclusivamente os provisórios ou provisionais decorrentes de ato ilícito, fundamentalmente de origem criminosa [3].

O artigo 22, inciso V, da Lei Maria da Penha, prevê a prestação de alimentos provisionais ou provisórios a serem devidos para a mulher vítima, constituindo, portanto, medida cautelar preparatória ou incidental na qual se pede a fixação de uma quantia para a mantença do autor na ação principal e seus filhos e dependentes enquanto durar a demanda. Devem abranger, além do necessário para sustento, habitação, vestuário, educação e todas as despesas para custear a demanda, já que o objeto é assegurar a sobrevivência e manutenção durante a tramitação de um processo principal. Normalmente essa medida será imperiosa quando a vítima tiver de modificar a rotina de seus hábitos por força da violência doméstica ou familiar, quer porque houve separação de corpos com encaminhamento da ofendida a programa oficial (artigo 23, I); quer porque a ofendida se afastou do seu lar (artigo 23, III); quer, ainda, porque a ofendida foi obrigada, por força da violência, a se remover de seu serviço público ou se afastar de seu trabalho (artigo 9º, §2º, I e II) [4].

Outro modelo legal consubstanciado na Lei Maria da Penha é a separação de corpos (artigo 23, IV), sendo a salvaguarda da pessoa vulnerável da família ou das relações domésticas, impedindo que o agressor ou agressora tenha acesso físico a vitima permanentemente [5].

Para ser colocada em prática essa questão, basta um mero pedido da mulher, quando comparecer perante a autoridade policial, (artigo 12, III), para que o juiz, acolhendo esse pedido, determine como medida protetiva de urgência a referida separação. Aliás, a autoridade policial, mesmo antes desse encaminhamento, poderá por força do artigo 11, acompanhar a ofendida e assegurar que a mesma retire os seus pertences do domicílio familiar (artigo 11, IV). Repare que a autoridade policial não pode comparecer ao domicílio do casal e afastar o agressor, podendo apenas garantir a saída da ofendida e de seus dependentes. Caso a ofendida queira a saída do farão agressor, ou, nas relações homoafetivas, a saída da agressora, em todas essas hipóteses a interessada deverá requerer a autoridade policial e esta, em 48 horas no máximo, encaminhará o pedido ao juiz (artigo 12, III). Somente o juiz poderá determinar a separação de corpos das seguintes maneiras:

- autorizar definitivamente a saída da ofendida com seus dependentes, caso esta não queira remanescer no local em que habitava (artigo 22, II, c/c o artigo 23, III);

- determinar o afastamento do ofensor, nos termos do artigo 22, inciso II, impondo ainda mesmo a não aproximação da ofendida e de seus familiares e testemunhas, fixando um limite de distância mínima sob pena de desobediência, além de multa diária por descumprimento do preceito (artigo 22, III, a);

- determinar a recondução da ofendida e de seus dependentes ao domicílio quando foi expulsa pelo agressor, ocasião em que este será afastado com a mesma obrigação de não se reaproximar (artigo 22, II, c/c o artigo 22, III, a).

Observe-se, portanto, que o juiz tem amplo poder na salvaguarda da integridade da mulher nas separações de corpos decorrentes especificamente da violência doméstica e familiar [6].

No tocante a guarda e visita, estabeleceu o artigo 23 da Lei Maria da Penha o poder do juiz de afastar a ofendida do lar sem prejuízo da guarda e alimentos que serão definitivamente regulados pelo juízo da família. As visitas constituem um direito dever que tem o pai, a mãe e demais parentes de se encontrar e se comunicar com os filhos menores ou parentes menores nas condições fixadas pelo juiz [7].

Assim, no que tange a questão das visitas, estabeleceu o artigo 22, inciso IV, desta Lei, como medida protetiva de urgência que:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

[...]

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

[...]

Como diz o próprio título da Seção II, constitui medida de urgência, de forma que, para resguardar a integridade da mulher, ou mesmo como medida profilática, poderá o juiz criminal ou mesmo da vara especializada restringir ou suspender as visitas do agressor aos dependentes menores, ou seja, os filhos, ou de todo aquele que estiver sob a guarda ou supervição do agressor. O juiz poderá praticar tal ato mesmo antes de ouvir a equipe multidisciplinar, porém, logo após sua determinação, deverá ouvir o representante do Ministério Público e, certamente, deverá determinar que a equipe técnica de apoio (psicólogos, assistentes sociais e outros) avalie a real situação para manter ou não a tutela de urgência já deferida [8].

EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA [9] aduz que as medidas protetivas consubstanciadas no artigo 22, incisos III e IV também podem ser compreendidas tanto como cautelares cíveis quanto criminais.

O artigo 24 da Lei Maria da Penha preocupou-se com a tutela cautelar civil de cunho exclusivamente patrimonial, para proteger bens da mulher vítima tanto da sociedade conjugal quanto em outras relações com o agressor, dando poder ao juiz para, de forma incidental, nas ações penais, bem como na ação civil indenizatória por ato ilícito [10]:

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

No mesmo sentido, aduz OLIVEIRA [11] que o artigo 24 da referida Lei não oferece quaisquer indagações, tendo em vista a natureza evidentemente cível.


[1] Ibid. p. 97. nota 105. Nesse mesmo sentido: CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit. p. 61/63/65.
[2] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL, Vitor Frederico. Op. Cit. p. 98/99. nota 105. Nesse mesmo sentido: CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit.. p. 147/148.
[3] Ibid. p. 102. nota 105. Ibid. p. 143/144.
[4] Ibid. p. 103/104. nota 105. Nesse mesmo sentido: DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 86/87.
[5] CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit.. p. 150.
[6] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL. Vitor Frederico. Op. Cit. p. 104/105.
[7] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL. Vitor Frederico. Op. Cit. p. 105.
[8] Idem. p. 106/107.
[9] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 601.
[10]SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL. Vitor Frederico. Op. Cit. p. 107.
[11] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. Cit. p. 601.

Um comentário:

  1. Fala-se em multa diaria por descumprimento da decisão, mas quem é o beneficiário, o Estado ou a vitima.

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