sábado, 2 de julho de 2011

4.1 NATUREZA ADMINISTRATIVA DAS MEDIDAS PROTETIVAS

O caput do artigo 8° da Lei 11.340/2006 tem como objetivo promover a dignidade da pessoa humana na questão da violência doméstica e familiar, integrada pelo Estado, pela família e pela sociedade de maneira harmônica, coordenada e efetiva [1], conforme se vê:

Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

[...]

Por meio dessas ações é que se visa coibir a violência em seus aspectos, diante da integração entre os entes públicos e a coletividade [2]. Nesse mesmo sentido. SOUZA [3].

Os incisos do artigo 8° da Lei Maria da Penha trazem em seu rol meramente exemplificativo algumas providências de natureza administrativa que devem ser adotadas, entre as quais:

Art. 8o [...]

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Após fixar medidas preventivas no Capítulo I acima em comento enunciado “Medidas Integradas de Prevenção”, caso elas não sejam totalmente efetivas, haverá a necessidade de implementar medidas reagentes ou repressivas para a salvaguarda do interesse tutelado [4].

Assim, o Capítulo II da referida Lei enuncia as medidas administrativas gerais reagentes, isso porque a situação concreta de sujeito passivo da violência já é existente [5].

Entre as medidas possíveis tem-se:

Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

No âmbito administrativo, têm-se ainda medidas protetivas de natureza policial, em que a autoridade policial poderá proceder no atendimento as vítimas de violência, consubstanciadas no seu artigo 11 [6], da seguinte forma:

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Têm-se também as medidas protetivas Ministeriais e Judiciais dentre as elencadas em vários artigos [7]. As medidas ministeriais correspondem ao artigo 26 da Lei:

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

O Ministério Público deverá requerer a concessão de medidas administrativas consideradas de natureza urgente (artigos 22, 23 e 24), na linha do artigo 19, caput da Lei [8].

Dentre as medidas judiciais de competência do juiz, tem-se:

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

O artigo 19 disciplina de maneira geral a concessão de medidas protetivas de urgência por parte do Magistrado e que são retratadas nos artigos 22, 23 e 24 que, diante deles, há de se perceber que algumas medidas tem natureza administrativa e outras tem caráter penal e civil, que será abordado no tópico 4.2 e 4.3[9].

Dentre as providências civis do artigo 23 da Lei, existe uma de cunho administrativo expresso no inciso I do referido artigo, que é o encaminhamento da ofendida e seus dependentes ao programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimentos [10].

Existem outras providências gerais de caráter administrativo, mas é importante acrescentar o artigo 29 da Lei que menciona sobre uma equipe de atendimento multidisciplinar, visando resguardar as vítimas de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral [11]:

Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Em seu artigo 35, a Lei aponta as pessoas jurídicas de direito público interno, notadamente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que deverão criar os seguintes aparelhos administrativos para garantir a eficácia e operabilidade da Lei [12]:

Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

O artigo 38 complementa o disposto no artigo 8°, inciso II da Lei, na medida em que prevê algumas diretrizes a serem observadas na política pública de prevenção e enfrentamento da violência. A Lei traz mecanismos como estudo, pesquisa, estatística e rede de informações para detectar as causas, conseqüências, freqüência da violência e para sistematizar os dados a serem unificados com avaliação periódica dos resultados obtidos [13]:

Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

 
[1] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL, Vitor Frederico. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. São Paulo: Método, 2007. p. 78.
[2] Idem.
[3] SOUZA, Sérgio Ricardo de. Op. Cit. p. 55/56.
[4] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL, Vitor Frederico. Op. Cit. p. 81.
[5] Idem.
[6] CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit.. p. 88/89/90.
[7] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL, Vitor Frederico. Op. Cit. p. 85.
[8] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL, Vitor Frederico. Op. Cit. p. 87. [9] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL. Vitor Frederico. Op. Cit. p. 89.
[10] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 83.
[11] CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit.. p. 171/172/173.
[12] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL. Vitor Frederico. Op. Cit. p. 91.
[13] SOUZA, Luiz Antonio. KUMPEL, Vitor Frederico. Op. Cit. p. 93.

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