sábado, 2 de julho de 2011

2.2 CONSTITUCIONALIDADE DA LEI E PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Referida Lei é questionada sobre a sua constitucionalidade, uma vez que, num primeiro momento, parece discriminatória em relação ao homem, tratando a mulher como “eterno” sexo frágil, deixando desprotegido o homem presumidamente impotente. [1]

VALTER FOLETO SANTIN [2] e ROBERTA TOLEDO CAMPOS [3], afirmam que a Lei fere o Princípio da Isonomia, na medida em que estabelece uma desigualdade somente em função do sexo. Ademais, a mulher vítima seria beneficiada por melhores mecanismos de proteção e de punição contra o agressor. Já o homem não disporia de tais instrumentos quando fosse vítima de violência doméstica, familiar ou de relacionamento íntimo.

CUNHA e PINTO [4] citam exemplos que podem conduzir à tese da inconstitucionalidade:

Exemplos de absurda injustiça (para com o homem), a saber: numa agressão mútua, o que justifica a mulher ficar amparada pelo presente diploma e o homem não? Sabendo que a violência doméstica não se resume na agressão do marido contra a mulher, qual o motivo para se proteger a filha agredida pelo pai e o filho agredido não? Para uma agressão do filho contra a mãe há lei específica protegendo a vítima, porém para a sua agressão contra o pai não?

No entanto, tipos penais que discriminavam o homem foram alvo de recentes mudanças legislativas, corrigido a odiosa discriminação, como aconteceu com o atentado ao pudor mediante fraude, art. 216 do CP (onde lia mulher honesta, a Lei 11.106/2005 alterou para alguém, abrangendo o homem) ou no tráfico de pessoas, art. 231 do CP (antes da Lei 11.106/2005, tipificava-se somente o tráfico de mulheres).

Apesar dos exemplos citados fomentarem a tese da inconstitucionalidade, a Lei Maria da Penha teve como finalidade tutelar a mulher que sofre de violência em todos os seus aspectos, decorrente de fatores sociais e culturais. Justificando, assim, a sua constitucionalidade.

CUNHA e PINTO [5] pensam que “uma interpretação conforme pode fomentar a sua aplicação, como exigem estatísticas que demonstram a situação de verdadeira calamidade pública que assumiu a agressão contra as mulheres”.

No mesmo sentido, aduzem ANDRESA WANDERLEY DE GUSMÃO BARBOSA e STELA VALÉRIA SOARES DE FARIAS CAVALCANTI [6] que:

A Lei Maria da Penha deve ser interpretada e aplicada de modo a se tornar um instrumento hábil de prevenção e repressão à violência doméstica contra a mulher.

Assim, entendemos que a Lei Maria da Penha não é inconstitucional. Muito pelo contrário, ela necessita ser aplicada em todos os seus termos, pois só assim estaremos dando o primeiro passo na luta contra a violência doméstica no Brasil. Devemos também cobrar dos Estados a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar ou de Varas especializadas, a fim de oferecer atendimento humanizado as vítimas e tratamento aos agressores, rompendo, assim, com o nefasto ciclo da violência.

Outra posição doutrinária se justifica na constitucionalidade da Lei, aduzindo sobre a diferença de tratamento criada pela cultura e sociedade marcadamente machista, que está na base da violência do homem contra a mulher, que é a que justifica de forma irrefutável a constitucionalidade de todas as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. [7]

Importante demonstrar o que se entende por Princípio da Isonomia (ou Princípio da Igualdade) e seus desmembramentos em igualdade formal e material. Esse Princípio significa dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida da sua desigualdade. Contudo, no texto da Constituição da República de 1988, esse Princípio é enunciado com referência à Lei em que todos são iguais perante a Lei. A doutrina construiu uma diferença, entre a igualdade na lei e na igualdade diante da lei, a primeira tendo como destinatário precípuo o legislador, a quem seria vedado valer-se da lei para fazer discriminações entre pessoas que mereçam idêntico tratamento; a segunda, dirigida principalmente aos intérpretes/aplicadores da Lei, impedir-lhes-ia de concretizar enunciados jurídicos dando tratamento distinto a quem a lei encarou como iguais. [8]

PEDRO LENZA [9] diz que deve-se buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso porque, no Estado Social que efetiva os direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a Lei.

Toda essa proteção trazida pela Lei para a mulher não feriria o Princípio da Isonomia, pois esse Princípio não é somente formal, senão sobretudo material. Em matéria de violência de gênero a mulher é desigual em relação ao homem. Logo, deve ser tratada de maneira diferente. Não existe uma discriminação odiosa, não justificada, em favor da mulher. Ao contrário, é com as medidas protetivas da Lei que se busca o equilíbrio. Pois a mulher, no contexto cultural em que vive, necessita dessa proteção, porque ela é a que mais sofre. [10]

Outro não tem sido o entendimento de DIAS [11], sobre a constitucionalidade da Lei:

Aliás, é exatamente para por em prática o princípio constitucional da igualdade substancial, que se impõe sejam tratados desigualmente os desiguais. [12] Para as diferenciações normativas serem consideradas não discriminatórias, é indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável. [13] E justificativas não faltam para que as mulheres recebam atenção diferenciada. O modelo conservador da sociedade coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão tornando-a vítima da violência masculina. Ainda que os homens também possam ser vítimas da violência doméstica, tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural. Por isso se fazem necessárias equalizações por meio de discriminações positivas, medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas, conseqüências de um passado discriminatório. [14] Daí o significado da lei: assegurar a mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial.

Seguindo essa idéia, a Lei Maria da Penha não fere o Principio da Isonomia expresso no caput do artigo 5º da Constituição da República de 1988, pois visa proteger as mulheres que sofrem com a violência dentro ou fora de seus lares. Por esse mesmo fundamento a Lei não fratura também o disposto no inciso I, do artigo 5º da Constituição da República de 1988, que diz que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, porque o tratamento favorável à mulher está legitimado e justificado por um critério de valoração, para conferir equilíbrio existencial, social etc. ao gênero feminino. É a igualdade material e não só a formal em abstrato perante o texto da Constituição. [15]

Portanto, a Lei Maria da Penha é constitucional porque serve à igualdade de fato e como fator de cumprimento dos termos da Constituição. [16]

No mesmo sentido, aduz MARCELO LESSA BASTOS [17] que a Lei é o resultado de uma ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica e familiar, cuja necessidade se evidenciava urgente:

Só quem não quer enxergar a legitimidade de tal ação afirmativa que, nada obstante formalmente aparentar ofensa ao Principio da Igualdade de Gênero, em essência busca restabelecer a igualdade material entre esses gêneros, nada tendo, desse modo, de inconstitucional.

HELENA OMENA LOPES DE FARIA e MONICA MELO [18] explicam que:

O sistema geral de proteção tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. Por sua vez, o sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto de forma concreta e específica, pois determinados sujeitos de direitos, ou certas violações de direitos exigem uma resposta diferenciada. Importa o respeito à diversidade e a diferença, assegurando-se um tratamento especial.



[1] CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit. p. 31. nota 4.
[2] SANTIN, Valter Foleto. Igualdade Constitucional na Violência Doméstica. Disponível em: . Acesso em: 17 de jan. de 2009.
[3] CAMPOS, Roberta Toledo. Aspectos Constitucionais e Penais Significativos da Lei Maria da Penha. em: . Acesso em: 17 de jan. de 2009.
[4] CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit. p. 32. nota 4.
[5] CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit. p. 33. nota 4.
[6] BARBOSA, Andresa Wanderley de Gusmão. CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A Constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Revista Prática Jurídica, Ano VII, n° 73. 30 de abr. de 2008.
[7] GOMES, Luiz Flávio. Op. Cit. nota 9.
[8] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Martires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 157.
[9] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 701.
[10] GOMES, Luiz Flávio. Op. Cit. nota 9.
[11] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 56. nota 18.
[12] ELLOQUE, Juliana, 2006, apud DIAS. Op. Cit. p. 55. Idem.
[13] MORAES, Alexandre de, 2005, apud DIAS. Idem. p. 56. Idem.
[14] CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista, 2006, apud DIAS. p. 56. nota 18.
[15] RIBEIRO, Rui Ramos, 2006, apud DIAS. Idem.
[16] GUEDES, Alexandre de Matos, 2006, apud DIAS. Idem.
[17] BASTOS, Marcelo Lessa, 2006, apud DIAS. Idem.
[18] FARIA, H. O. L. de. MELO, M. de, 1998, apud CUNHA, PINTO. Op. Cit. p. 42. nota 4.

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