segunda-feira, 1 de agosto de 2011

É constitucional os tipos penais que preveem crimes de perigo abstrato?

Entende-se por crime de perigo aqueles que se consumam com a mera possibilidade de dano. Por conseguinte, o perigo pode ser dividido em concreto (que precisa ser comprovado) e abstrato (originário de uma presunção trazida pela lei em um determinado caso concreto, diante de um comportamento positivo ou negativo) (GOMES, 2007).

O Princípio da Ofensividade trabalha na questão dos chamados crimes de perigo abstrato, pois tal princípio orienta e limita o poder incriminador do Estado.

Esse princípio expressa que não há crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico, somente se considerando a existência de uma infração penal quando houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. Só se considera existente o delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real e concreto (CAPEZ, 2010). 

A doutrina discute em relação à constitucionalidade dos tipos penais que prevêem crimes de perigo abstrato.

Entendemos que o Direito Penal, dada a gravidade de suas sanções, deve tutelar os bens juridicamente mais relevantes para a sociedade, que são assim valorados a depender do contexto social em que se encontram. Deve a conduta ser criminalizada, se tornando legítima, se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico.

A intervenção penal só se legitima quando o agente, com sua conduta ofensiva, afeta bens jurídicos de terceiras pessoas. Não importa se o ataque se dirige a uma pessoa determinada, indeterminada ou a uma coletividade. Fundamental é que bens e interesses de terceiros entrem no raio de ação da ofensa, podendo ser uma lesão ou um perigo concreto. (BIANCHINI et al., 2009). 

A função principal da ofensividade é limitar a pretensão punitiva do Estado, de maneira que não pode haver proibição penal sem um conteúdo que seja ofensivo aos bens jurídicos. O legislador deve se abster de formular descrições incapazes de lesar ou de colocar em real perigo o interesse tutelado pela norma e, caso isso ocorra, o tipo deverá ser excluído do ordenamento jurídico por incompatibilidade com o expresso no texto da Constituição da República de 1988 (CAPEZ, 2010).

A função do legislador é proporcionar a tutela penal quando a sociedade manifesta sua intenção de proteger determinados bens jurídicos. Os tipos penais que prevêem crimes de perigo abstrato não obedecem a uma estrutura típica formal, bem como colidem com diversos princípios constitucionais. Enquanto os crimes de perigo concreto precisam ser comprovados para efeitos de consumação típica e estão previstos no tipo, os crimes de perigo abstrato prescindem da comprovação da existência da situação em que se colocou em perigo o bem jurídico protegido, gerando a punição pelo mero descumprimento da lei formal.

Outro não tem sido o entendimento de BIANCHINI et al. (2009, p. 313/314):
A construção de todo o sistema penal [...] deve partir da premissa de que não há crime sem ofensa – lesão ou perigo concreto de lesão – a um bem jurídico. A lesão ou o perigo concreto de lesão configura o que se chama de resultado jurídico.

O bem jurídico, por seu turno, integra a tipicidade [...]. Ao lado da tipicidade formal também é necessária a material.

Dentro desta dimensão material acham-se presentes dois juízos valorativos distintos, que são: (a) juízo de desvaloração da conduta e (b) juízo de desvaloração do resultado jurídico. No que se refere ao resultado jurídico (ofensa ao bem jurídico), sublinhe-se que ele necessita ser desvalioso. Não é qualquer resultado jurídico que atende as exigências da tipicidade material. É desvalioso quando ele for: (a) real (ou concreto), (b) transcendental, (c) grave (não insignificante), (d) intolerável, (e) objetivamente imputável ao risco criado e (g) pertencente ao âmbito de proteção da norma.

O resultado jurídico desvalioso, que passa a fazer parte da tipicidade material, requer um resultado: (a) real ou concreto (em virtude do princípio da ofensividade está proibido no direito penal o crime de perigo abstrato. Porte de arma de fogo quebrada ou desmuniciada: para quem não considera o princípio da ofensividade, há crime. Essa concepção, entretanto, segundo nosso ponto de vista, é inconstitucional; não se pode restringir direitos fundamentais básicos como a liberdade ou o patrimônio sem que seja para tutelar concretas ofensas a outros direitos fundamentais. [...]

De outro lado, a doutrina que não coaduna desse entendimento, considera ponto principal do injusto penal a criação de riscos não permitidos e não a causação de um resultado. Por essa teoria, justifica-se a proteção a bens jurídicos por meios de crimes de perigo abstrato, pois a lesão ao bem jurídico é evitada pela antecipação da punibilidade (ROXIN, 2007). 

Não corroboramos com tal entendimento e sustentamos a inconstitucionalidade dos tipos penais que prevêem crime de perigo abstrato em virtude do princípio ora analisado, pois quando o fato cometido se torna fato punível, ele deve afetar concretamente o bem jurídico protegido pela norma, havendo a exigência de ofensividade da conduta, para que seja considerada fato típico. Tais tipos de crimes violam o Princípio da Ofensividade, dentre outros princípios, sendo manifesta, por conseguinte, a sua inconstitucionalidade.

A intervenção do Direito Penal se justifica quando houver um ataque capaz de colocar em concreto e efetivo perigo um bem jurídico, que exerce papel fundamental como mecanismo garantidor e limitador dos abusos repressivos do Poder Público. Sem afetação do bem jurídico, não existe infração penal (CAPEZ, 2010).

Esse princípio deve ser enfocado como critério limitador da intervenção penal, considerada esta em suas duas essenciais dimensões: subjetiva (o estado é o único titular do ius puniendi) e objetiva (o estado só pode agir na medida em que autorizado pelo ordenamento jurídico) (BIANCHINI et al. 2009).

No âmbito do direito penal, de um estado democrático de direito, somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado (BITENCOURT, 2004).

Assim, atenderemos a missão do Direito Penal que é atuar quando a conduta do agente ofender um bem jurídico, não sendo suficiente que ela se mostre apenas como imoral ou inadequada.

BIANCHINI, Alice; GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal. Introdução e Princípios Fundamentais. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GOMES, Luiz Flávio. A Constituição Federal e os crimes de perigo abstrato, 2007. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article>. Acesso em: 13 jun. 2011.

ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General. 2. ed. Madrid: Civitas, 2007. 

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