sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Qual seria o maior problema do Direito Penal Econômico: a desnecessidade de uma tutela penal diante de outras possibilidades de sancionamento ou os equívocos do legislador na formulação da legislação penal econômica?



Essas indagações estão associadas a duas diversas visões do direito penal. Para aqueles que acham que o direito penal não deve intervir na atividade econômica, sendo substituído por um direito administrativo sancionador, o maior problema seria o primeiro, ou seja, a desnecessidade de uma tutela penal diante de outras possibilidades de sancionamento. Para aqueles que acham que o direito penal pode intervir, o maior problema seria o segundo, que são os equívocos do legislador na formulação da legislação penal econômica, porque é muito difícil definir as condutas penalmente relevantes com um grau adequado de taxatividade.

Acredita-se que um dos maiores problemas do direito penal econômico de hoje seja os equívocos do legislador na formulação da legislação penal econômica.  Atualmente, o direito penal está passando por um período de transformação, decorrente não só da evolução da sociedade, mas, também, dessa nova dimensão nos vários âmbitos surgidos da criminalidade, que advém da própria evolução da sociedade. A criminalidade se tornou mais moderna, mais sofisticada, mais organizada, equipada, técnica, ou seja, “mais inteligente”, dificultando ainda mais a descoberta do fato criminoso, do próprio criminoso e, até mesmo, das próprias pessoas lesadas pelas ações dessa nova geração da criminalidade. Surge aí uma criminalidade com um novo foco de atenção, qual seja, a criminalidade econômica. De acordo com BAJO FERNANDEZ (1987, p. 394), a criminalidade econômica seria “o conjunto de normas jurídico-penais que protegem a ordem econômica, entendido como regulação jurídica do intervencionismo estatal na Economia”.

O direito penal deixa de tutelar somente direitos individuais como a vida, a liberdade, a integridade física, para contemplar em sua estrutura a proteção de direitos supra-individuais ou coletivos (ROCHA JR, 2012).

Sustenta parte da doutrina que se acompanha nas últimas décadas uma crescente criminalização de condutas no âmbito do que se convencionou denominar de direito penal secundário, em oposição à criminalidade clássica. Assumindo, o direito penal, para dentro de seus domínios, a responsabilidade de atuar como norma de reforço num domínio característico do direito administrativo, com a implementação de tipos penais de conteúdo econômico, social, tributário, financeiro e de proteção do meio ambiente, inflacionando, por assim dizer, o campo de incidência do direito penal. Logo, importa-se saber como instrumentalizar novas categorias de delitos que se apresentam com uma característica diversa daquela para a qual sempre foi estruturado e pensando o direito penal, de maneira a não desestabilizá-lo como instrumento de ultima ratio, somente sendo chamado a atuar quando as outras instâncias de controle social falhar, ao mesmo tempo impedindo que sirva de mero instrumento de cumprimento de metas administrativas, de políticas sociais, econômicas e do meio ambiente. Ademais, expansão do direito penal  tem apresentado vários obstáculos ao pleno exercício das garantias constitucionais como a mitigação do princípio da legalidade, devido à criação de tipos penais abertos em excesso; o uso desregrado das chamadas normas penais em branco, com especial gravidade quando o legislador penal confere a administração pública a possibilidade de complementar o núcleo do tipo penal, por meio da edição de normas e regulamentos infra-legais ou administrativos; a criação de crimes de perigo abstrato, sem que seja levada em consideração a relevância penal do fato em concreto ou a efetiva lesividade do fato praticado, editando o legislador penal verdadeiros crimes de mera presunção de lesão ao bem jurídico que se busca tutelar; a desconsideração, em situações de fato, no curso da persecução penal, do princípio da culpabilidade, notadamente quando as supostas ações delituosas são praticadas no âmbito e no interesse de pessoas jurídicas e etc. (ALMEIDA, 2012).

De fato, em virtude da limitada capacidade de criminalização secundária de executarem toda a tarefa a elas proposta pelas leis criminais, elas se veem constrangidas a agir de modo seletivo, ou seja, as agências de criminalização secundária selecionarão as condutas que serão investigadas, em detrimento de outras tantas condutas que, não obstante serem igualmente crimes, serão ignoradas, diante do critério da seletividade (ZAFFARONI et. al., 2003). A dificuldade é grande tanto em “escolher” a conduta que será criminalizada, quanto em se saber qual é ou não penalmente relevante, na questão da taxatividade.

Continua a doutrina que para se ter um tratamento igualitário por parte do direito penal seria no sentido de se abarcar tanto os comportamentos lesivos praticados pela população de baixa renda, quanto os comportamentos lesivos praticados pelas elites em seus respectivos âmbitos de atuação. O direito penal econômico, além de não cumprir a sua missão de tratar todos de forma igual, através do atingimento de setores antes imunes, estende sua desigualdade até o ponto em que as pessoas beneficiadas com os atos (acionistas, controladores, diretores mais graduados e etc.) sequer seriam incomodados (ROCHA JR, 2012). E isso não se pode negar. Além disso, na ânsia de fazer com que o direito penal econômico cumpra a sua missão, o legislador se esmera em elaborar mecanismos de repressão e investigação sofisticados e muitas vezes inconstitucionais, para que o combate a tais tipos de crime seja mais eficaz.

Conclui-se, então, que o direito penal econômico, antes de estabelecer a igualdade de tratamento de todos perante a lei no âmbito do direito penal, acaba por dinamizar a própria desigualdade que lhe é intrínseca. Seja através da sua seletividade, que se dá pela falta de cobertura; seja pela sua elitização, que, mesmo no interior de empresas e corporações onde correm crimes, acaba incidindo sobre os funcionários menos graduados, imunizando os que se beneficiaram da conduta; seja através do menor impacto dos mecanismos mais sofisticados de investigação aos que tem acesso a uma melhor defesa. O fato é que, somente se desconsiderando tais aspectos é que se pode conceber o direito penal econômico como direito penal igual para todos (ROCHA JR, 2012).


ALMEIDA, Arnaldo Quirino de. SÍNTESE DE DIREITO PENAL ECONÔMICO: A CRIMINALIDADE ECONÔMICA E A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL. Disponível em: http://arnaldoquirino.com/2012/02/11/sintese-de-direito-penal-economicosintese-de-direito-penal-economico-a-criminalidade-economica-e-a-expansao-do-direito-penal/. Acesso em: 12/02/2012.

BAJO FERNANDEZ, Miguel. Manual de Derecho Penal. Parte Especial. Madrid: Editora Ceuta, 1987.

ROCHA JR, Francisco do Rêgo Monteiro. Processo Penal, Constituição e Crítica. Criminalização dos delitos econômicos: um direito penal igual para todos? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Teoria Geral do Direito Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.


*Iara Boldrini Sandes – Advogada e Professora de Direito Penal, Especialista em Ciências Penais. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter (@IaraBoldrini). Encontre-me no Facebook.


O art. 156, I, do CPP permite ao juiz determinar a produção de provas de ofício, inclusive durante o inquérito policial. Essa regra fere o sistema acusatório?




A Lei nº 11.690 de nove de junho de 2008 alterou dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prova. A inovação se deu, também, no art. 156, I, do Código de Processo Penal, que diz que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. Permite-se, aqui, que o juiz, mesmo na fase de investigação, ordene de ofício a produção de provas.

Essa nova regra, instaurada no dispositivo em comento, é criticada, pois dá ao juiz a possibilidade de determinar, por meio de sua iniciativa, a produção de provas durante a investigação, ferindo o sistema acusatório, bem como outros princípios norteadores do Direito Processual Penal, como a imparcialidade do juiz e o princípio da presunção de inocência.

O sistema acusatório tem como premissa uma separação subjetiva de funções. A regra determinada pelo art. 156, I, do Código de Processo Penal permite ao juiz assumir a posição de um inquisidor, que investiga para depois julgar.

O Código de Processo Penal adotou o sistema acusatório e não o sistema inquisitivo. Permitir-se ao juiz determinar a produção de provas de ofício, inclusive durante o inquérito policial, estar-se-ia admitindo a figura de um juiz investigador, ou seja, um processo inquisitivo.

O sistema acusatório se funda a partir da separação inicial das atividades de acusar e julgar. De nada basta uma separação inicial, com o Ministério Público formulando a acusação, se depois, ao longo do procedimento, permite-se que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora. Fica evidente a insuficiência de uma separação inicial de atividades se, depois, o juiz assume um papel claramente inquisitorial. O juiz deve manter uma posição de alheamento, afastamento da arena das partes, ao longo de todo o processo. Deve-se descarregar o juiz de atividades inerentes às partes, para assegurar sua imparcialidade. Consagra-se o juiz-instrutor-inquisidor, com poderes para, na fase de investigação preliminar, colher de ofício a prova que bem entender, para depois, no processo, decidir a partir de seus próprios atos (LOPES, Jr., 2008).

Em sentido contrário, argumenta-se que a atuação de ofício do juiz, na colheita das provas, seria uma decorrência natural dos princípios da verdade real e do impulso oficial, devendo o magistrado determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis para apurar o fato criminoso, não tendo a preocupação de beneficiar, com isso, a acusação ou a defesa, mas somente atingir a verdade, bem como fazendo, com o impulso oficial, que o juiz provoque o andamento do feito, até final decisão, queiram as partes ou não (NUCCI, 2011).

Não se pode coadunar desse entendimento, pois a imparcialidade do juiz deve ser considerada como superior, indispensável, isto é, imprescindível para o normal desenvolvimento do processo, com a finalidade de se obter a solução mais compatível possível. Não há compatibilidade entre as funções de juiz investigador e juiz julgador. Não se pode confundir e misturar as coisas. Caso isso ocorra, haverá uma contaminação decorrente de um pré-julgamento feito àquele que será responsável pelo desfecho da lide processual penal.

Ao sistema acusatório lhe corresponde um juiz espectador, dedicado, sobretudo, à objetiva e imparcial valoração dos fatos e, por isso, mais sábio que experto. Diferentemente seria no rito inquisitório, que exige, sem embargo, um juiz-ator, representante do interesse punitivo e, por isso, um enxerido, versado no procedimento e dotado de capacidade de investigação (FERRAJOLI, 1995). E não é isso que se quer, ou melhor, não é esse o fim buscado em todo processo criminal.

Dessa forma, entende-se que tal dispositivo processual feriria o sistema acusatório, juntamente princípios importantes e consagradores do Direito Processual, compelindo-se, ademais, a utilização de regra eivada de inconstitucionalidade.


FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: Teoría del garantismo penal. Madrid: Editorial Trotta, 1995.
LOPES Jr., Aury. Bom pra quê (m)? Boletim IBCCRIM, ano 188, Julho/2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

*Iara Boldrini Sandes – Advogada e Professora de Direito Penal, Especialista em Ciências Penais. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter (@IaraBoldrini). Encontre-me no Facebook.

A mudança do bem jurídico costumes para dignidade sexual alterou a proteção do Estado nos delitos sexuais?




A Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, trouxe algumas modificações, relativas, em parte, ao Código Penal e à Lei de Crimes Hediondos. Antes dessa alteração, o Título VI do Código Penal se denominava “Dos crimes contra os costumes”. Depois, com a entrada em vigor da lei, passou a se chamar “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Resumidamente, com a nova lei, procedeu-se à alteração do tipo penal do estupro, que, agora, congrega, em um mesmo dispositivo, as ações anteriormente capituladas como atentado violento ao pudor, bem como à revogação da presunção de violência. Igualmente, foram confeccionados outros tipos penais autônomos e ainda modificada a natureza da ação penal.

Antes, a lei penal não interferia nas relações sexuais normais dos indivíduos, mas reprimia as condutas anormais consideradas graves que afetassem a moral média da sociedade. O foco da proteção jurídica foi mudado. Não se tem em vista a moral média da sociedade, o resguardo dos bons costumes, isto é, o interesse de terceiros, como bem jurídico mais relevante a ser protegido, mas a tutela da dignidade do indivíduo, sob o ponto de vista sexual, em consonância com o perfil do Estado Democrático de Direito. O objeto jurídico recebeu uma nova concepção com a evolução da sociedade. (CAPEZ, 2010)

Houve, realmente, uma harmonia entre o Título VI do Código Penal com a CF/88. Na verdade, a proteção à dignidade sexual decorre do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto na própria Constituição, considerado como um postulado ativo e garantidor de direitos e deveres do ser humano, desde sua liberdade sexual, sua integridade física, sua vida, moral, honra, etc.

O art. 1º, inciso III da CF/88, afirma que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Esse Princípio, conforme Dias (2007) “é o Principio mais universal de todos, que se denomina como princípio máximo, ou superprincípio, ou macroprincípio, ou ainda princípio dos princípios”. A Dignidade da Pessoa Humana é muito mais do que os direitos fundamentais, isto por ser anterior e hierarquicamente superior. A razão de existir Estado e das leis é assegurar a dignidade da pessoa humana (MIRANDA, 1996). Respeita-se a dignidade da pessoa quando o indivíduo é tratado como sujeito com valor intrínseco, posto acima de todas as coisas criadas e em patamar de igualdade de direitos com os seus semelhantes. (MENDES, et al., 2008).

O princípio da dignidade da pessoa humana tem duas conotações. A primeira, como princípio geral da ordem jurídica, em face da tradição kantiana, de que a ordem jurídica não pode tomar a pessoa como objeto, mas sim como seu sujeito. A segunda, como postulado normativo, que determina a extensão, a limitação e o conteúdo de todas as normas, a fim de ajustá-las à Constituição. Por esses dois significados, se diz que a dignidade da pessoa humana funciona como reconhecimento da pessoa em sua existência individual e em sua função social. Assim, pode ser compreendida a alteração da lei, que quer proteger a pessoa quanto à sua existência e projeção social dessa existência, que não pode ser obtida quando a liberdade de decidir acerca das opções sexuais se vê violada.

Ademais, a alteração também buscou a proteção da moralidade pública sexual, cujos padrões devem pautar a conduta dos indivíduos, de molde a que outros valores de grande valia para o Estado não sejam sobrepujados. (CAPEZ, 2010).

Quando a lei penal alterou a natureza do bem jurídico "costumes" para "dignidade sexual", quis dar nova dimensão à proteção da pessoa, que deixou de ser um mero objeto da moral sexual e passou a dispor, ela mesma, de autonomia para decidir sobre suas opções sexuais. Isso foi feito pela lei.

Dessa forma, a mudança do bem jurídico não alterou a proteção estatal dos delitos sexuais, muito pelo contrário. Não é fator limitador, mas, sim, extensor de proteção ao bem jurídico, diante da tutela maior que é a dignidade da pessoa humana, sob o aspecto sexual, e os direitos a ela inerentes.


CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Martires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3 ed. Coimbra: Coimbra, 1996.

*Iara Boldrini Sandes – Advogada e Professora de Direito Penal, Especialista em Ciências Penais. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter (@IaraBoldrini). Encontre-me no Facebook.

CONCURSO DE CRIMES


IARA BOLDRINI SANDES*



Resolvi fazer ESQUEMAS de temas importantes do Direito Penal que confundem a cabeça do candidato no momento de realização das provas.

Este esquema é sobre o tema CONCURSO DE CRIMES, para facilitar o estudo daqueles que irão prestar o Exame de Ordem, bem como concursos públicos em geral, que cai este tema.

Há concurso de crimes quando o agente, com uma ou várias condutas, realiza mais de um crime. Aplica-se a pena de acordo com a espécie de concurso reconhecido no caso concreto.

Existem três espécies de concurso de crimes: concurso material, concurso formal e crime continuado ou continuidade delitiva.

Atente-se que todas as infrações penais admitem concurso de crimes.

1) CONCURSO MATERIAL OU REAL:

Encontra-se no art. 69 do CP que diz que:

Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

Aqui, o agente, mediante DUAS OU MAIS CONDUTAS, produz dois ou mais resultados, idênticos ou não.

> Requisitos:

a) pluralidade de condutas.

b) pluralidade de crimes.

> Espécies:

a) concurso material homogêneo: quando os crimes são da mesma espécie. O resultado são crimes idênticos.

b) concurso material heterogêneo: quando os crimes não são da mesma espécie. O resultado são crimes diferentes.

Quanto à APLICAÇÃO DA PENA, utiliza-se o SISTEMA DO CÚMULO MATERIAL, ou seja, SOMAM-SE AS PENAS.

O art. 69 do CP adotou o sistema da cumulação das penas, isto é, as penas são aplicadas individualmente e em seguida somadas. Ex.: art. 155 + art. 213 do CP. O juiz aplica o critério trifásico para os dois (art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento).

Em primeiro lugar, deve ser observado se há o concurso formal ou concurso continuado entre os crimes, por tratar o concurso material modalidade mais grave. Se não tiver, incidirá a regra (residual) do concurso material.

Observe que no caso de concurso entre crimes punidos com reclusão e detenção, será cumprida em primeiro lugar a pena de reclusão, ou seja, sempre que houver cumulação de penas, as sanções mais graves serão cumpridas antes das mais leves, nos preceitos do art. 76 co CP.

Atenção! Tanto no concurso material homogêneo quanto no concurso material heterogêneo, no momento de aplicação da pena, estas serão somadas. O que difere um concurso do outro é exatamente a espécie de crimes e o resultado dos crimes.

Pergunta:

a) É possível a suspensão condicional do processo? De acordo com o STF, a suspensão condicional do processo somente é admissível quando no concurso material, a somatória das penas mínimas impostas não suplantar um ano.

2) CONCURSO FORMAL OU IDEAL:

Encontra-se no art. 70 do CP que diz que:

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

Aqui, o agente, mediante UMA ÚNICA CONDUTA, produz dois ou mais crimes, idênticos ou não.

> Espécies:

a) concurso formal homogêneo: os crimes são idênticos. Ex.: roubo em ônibus. Obs.: Para o STF, é concurso formal impróprio.

b) concurso formal heterogêneo: os crimes são diferentes. Ex.: acidente de trânsito com morte e feridos.

c) concurso formal perfeito (ideal, normal ou próprio): os resultados derivam de um único desígnio, ou seja, de um único plano, projeto, propósito. Ex.: agente que subtrai dez relógios de uma loja; motorista de ônibus que tem o desígnio de efetuar a ultrapassagem e resulta na morte de dezenas de pessoas.

b) concurso formal imperfeito (anormal ou impróprio): os resultados derivam de uma pluralidade de desígnios. Deve ser sempre doloso. Ex.: agente que dispara contra duas vítimas, querendo matá-las.

Quanto à APLICAÇÃO DA PENA, cada espécie é compreendida de uma forma.

No CONCURSO FORMAL PERFEITO, adota-se o SISTEMA DE EXASPERAÇÃO DA PENA, ou seja, o juiz aplica uma só pena, se idênticas, ou a maior, quando não idênticas, aumentada de 1/6 até a metade. O aumento varia de acordo com o número de resultados. Quanto maior o número de infrações, maior deve ser o aumento.

Ex.: acidente de trânsito com duas vítimas fatais.

Já no CONCURSO FORMAL IMPERFEITO, somam-se as penas, ou seja, aplica-se o SISTEMA DA CUMULAÇÃO DAS PENAS. Segue-se o mesmo raciocínio do concurso material, pois o agente atua com desígnios (vontade) autônomos em relação a cada um dos crimes.

Ex.: aberratio ictus onde o agente quer matar A e assume o risco de matar B. Acaba matando os dois. Responde pelo art. 121 do CP de A (vontade) e pelo art. 121 do CP de B.

3) CRIME CONTINUADO OU CONTINUIDADE DELITIVA:

Encontra-se no art. 71 do CP que diz que:

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Ocorre quando o agente, mediante DUAS OU MAIS CONDUTAS, produz DOIS OU MAIS RESULTADOS da mesma espécie, os quais, pelas semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, podem ser tidos uns como continuação dos outros.

Pergunta:

a) Qual a natureza jurídica do crime continuado?

Existem três teorias:

1ª) unidade real: efetivamente todos os crimes formam um só.

2ª) mista: os vários crimes em continuidade formam outro tipo de crime.

3ª) FICÇÃO JURÍDICA: para o efeito da pena, todos os crimes configuram um só. O Brasil adotou esta teoria. O art. 119 do CP demonstra esta teoria.

> Requisitos:

a) crimes da mesma espécie: prevalece na doutrina que são os previstos no mesmo tipo penal. Não importa se na forma simples, qualificada ou privilegiada.

b) condições semelhantes de tempo: a lei não esclarece e sim a jurisprudência, que é fonte formal imediata. Entende a jurisprudência que se tem que ter entre as várias infrações, prazo não superior a 30 dias.

c) condições semelhantes de lugar: quando os crimes tiverem sido praticados na mesma comarca ou em comarcas vizinhas. Se comarcas distantes, desaparece a continuidade delitiva.

d) modo de execução semelhante: quando os crimes tiverem sido praticados por meio do mesmo modus operandi.

Pergunta:

a) Qual foi o caso em concreto que o STF reconheceu a continuidade delitiva? Em crime contra a ordem tributária se não suplantar três anos.

> Discussão:

Discute-se na doutrina se para haver a continuidade delitiva deve haver prescindibilidade ou imprescindibilidade.

1ª corrente: além dos requisitos acima, é imprescindível que os vários crimes resultem de plano previamente elaborado pelo agente (unidade de desígnios). Segue esta corrente Eugênio Raul Zaffaroni e o STJ, no HC 151. 012/RJ.

2ª corrente: a unidade de desígnios não faz parte dos requisitos do crime continuado, acolhendo-se a teoria objetiva pura. Adota esta corrente Luiz Flávio Gomes.

Na aplicação da pena será considerada a existência de um só crime. O CP adotou, conforma falado acima, a TEORIA DA FICÇÃO JURÍDICA (ou da unidade fictícia limitada ou ficção legal).

Quanto a PRESCRIÇÃO, cada um dos crimes que compõem a continuidade recebe tratamento autônomo, cada um tendo o seu prazo prescricional, de acordo com o art. 119 do CP.

> Existem duas espécies de crime continuado:

a) Crime continuado comum (genérico): está previsto no caput do art. 71 do CP. Ocorre quando os crimes que compõem a quantidade delitiva são praticados sem o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa.

> Requisitos:

a) pluralidades de condutas.

b) pluralidade de crimes da mesma espécie.

De acordo com a doutrina, são crimes previstos no mesmo tipo penal (mesmo que os crimes sejam tentados ou consumados), protegendo o mesmo bem jurídico.

c) elo de continuidade.

Quanto a APLICAÇÃO DA PENA, adota-se o SISTEMA DA EXASPERAÇÃO DA PENA, isto é, o juiz leva em conta uma só pena, se idênticas, ou a maior, quando não idênticas, aumentado-a de 1/6 a 2/3.

Ex.: 5 furtos praticados em continuidade delitiva. Art. 155 do CP c/c o art. 71 do CP (5 vezes).

b) Crime continuado específico: está previsto no § único do art. 71 do CP. Ocorre quando os crimes dolosos que compõem a continuidade delitiva são praticados com o emprego de violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes.

> Requisitos:

a) pluralidade de condutas.

b) pluralidade de crimes da mesma espécie.

c) elo de continuidade.

d) crimes dolosos.

e) com vítimas diferentes.

f) cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa.

Pergunta:

a) É possível continuidade delitiva em crimes dolosos contra a vida? A súmula 605 do STF diz que não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida. A redação da súmula é anterior à redação do art. 71, § único do CP. Entende grande parte da doutrina que essa súmula está superada. Agora se admite. Vai ser um crime continuado específico.

Quanto a APLICAÇÃO DA PENA, adota-se o SISTEMA DE EXASPERAÇÃO DA PENA, a exemplo do caput do art. 71 do CP, mas a pena pode ser aumentada até o triplo. O aumento da pena será determinado de acordo com o número de crimes. Quanto mais crimes, maior será o aumento.

> Atente-se que se da aplicação dessas regras resultar pena superior a que resultaria da aplicação do concurso material, o § único do art. 70 do CP determina a aplicação da regra do concurso material benéfico.

Melhor explicando, há o CONCURSO MATERIAL BENÉFICO se da aplicação da regra do crime continuado genérico, do crime continuado específico ou do concurso formal perfeito (exasperação da pena) tornar a pena maior do que a resultante da soma, terá a aplicação da regra do concurso material, em benefício do agente. Aplica-se esse sistema porque é melhor.

Compreende-se que os institutos foram criados para amenizar os efeitos do concurso material, o que torna eventual resultado agravador injustificável.

> Discussão:

Na continuidade delitiva deve-se observar o cúmulo material benéfico. Existe corrente doutrinária que fala para se aplicar o § único do art. 71 do CP por analogia ao caput do art. 71 do CP.

Ex.: Continuidade delitiva

Em 01/01/11 o sujeito comente roubo em um ônibus – concurso formal imperfeito.

Em 02/01/11 o sujeito rouba outro ônibus – concurso formal.

Em 03/01/11 o sujeito rouba mais um ônibus – concurso formal.

Luiz Flávio Gomes diz que o juiz deve desconsiderar o concurso formal e aplicar somente a continuidade delitiva para evitar bis in idem. Não é essa a posição do STF. De acordo com o STF, o juiz deve aplicar os dois concursos (formal e continuidade delitiva), inexistindo o bis in idem. HC 73.821/STF.

RESUMÃO:

Requisitos
Sistema adotado
Observação
Concurso materialPluralidades de condutas e de crimesCúmulo materialAs penas são somadas
Concurso formal próprioUnidade de condutas e pluralidade de crimesExasperaçãoA pena é aumentada de 1/6 até a metade
Concurso formal impróprioUnidade de condutas e pluralidade de crimes + desígnios autônomosCúmulo materialAs penas são somadas
Crime continuado genéricoPluralidade de condutas, de crimes + elo de continuidadeExasperaçãoA pena é aumentada de 1/6 até 2/3
Crime continuado específicoPluralidade de condutas, de crimes, elo de continuidade + art. 71, § único do CP.ExasperaçãoA pena é aumentada de 1/6 até o triplo.

*Iara Boldrini Sandes – Advogada e Professora de Direito Penal, Especialista em Ciências Penais. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter (@IaraBoldrini). Encontre-me no Facebook.